Motoristas acumulam função de cobrador nos ônibus da Região Metropolitana do Recife

Depois da retirada dos cobradores, mais uma novidade é adotada sem alarde no sistema de transporte por ônibus da Região Metropolitana do Recife. Os motoristas de algumas linhas que já operavam sem a figura do cobrador desde 2015 estão acumulando a função de receber dinheiro, passar troco e liberar a catraca ao mesmo tempo em que dirigem. Ou seja, estão atuando, também, como cobrador. A novidade está valendo desde o dia 1º de novembro. E, apesar de estar sendo criticada pelos motoristas, a determinação é legal. Foi acordada com os empresários de ônibus em convenção coletiva dos motoristas e cobradores, e validada pelo governo de Pernambuco, via Grande Recife Consórcio de Transporte.

O acúmulo de função já está valendo em 23 linhas operadas por cinco empresas: Caxangá (10 linhas), Empresa Metropolitana (8 linhas), Transcol (1 linha), Pedrosa (2 linhas) e São Judas Tadeu (2 linhas). E o número deverá crescer, segundo o GRCT, já que, no total, 32 linhas estão operando sem cobrador desde o fim de 2015 na Região Metropolitana do Recife e isso é pré-requisito para a escolha da linha. Os motoristas estão sendo convidados a assinar um documento em que concordam com o acúmulo de função e ganham, na maioria das empresas, um abono de R$ 100 mensal.

A novidade está explícita na 25ª cláusula da convenção coletiva da categoria, de julho deste ano. Mas, segundo o presidente do Sindicato dos Rodoviários, Benilson Custódio, os motoristas não são obrigados a aceitar o acúmulo de função e o abono. “O processo só é validado com a concordância do profissional. Ele é livre para aceitar ou não. Se aceitar, ganhará R$ 100 a mais no salário. E só é permitido para as linhas que operavam sem cobrador até o dia 1º de julho deste ano. Concordamos porque muitos passageiros estavam sendo prejudicados nessas linhas que só aceitam o cartão eletrônico. É uma forma de também beneficiar o passageiro”, argumentou Benilson Custódio.

Em junho de 2016, entretanto, o mesmo sindicato alertou o Estado que o acúmulo de função por parte dos motoristas era ilegal e feria a convenção coletiva da categoria. Na época, os cobradores estavam sendo retirados das linhas. E, como resposta, o GRCT garantia que nenhum cobrador seria demitido e que os motoristas não iriam acumular a função de receber dinheiro e passar troco. Mas tudo mudou.

André Melibeu, diretor de Operações do GRCT, explicou que, ao órgão gestor, coube apenas o papel de validar ou não o pedido de acúmulo de função. E, nesse caso, o Estado viu uma oportunidade de dar mais uma opção ao passageiro que não tem o cartão VEM. “Autorizamos depois de submetermos o pedido ao nosso departamento jurídico e estamos monitorando para ver qual será o impacto na operação. Se haverá atraso nas viagens, por exemplo, ou se as linhas em questão conseguirão recuperar a queda de demanda, que tem sido maior do que a média do sistema em geral. Agora, são linhas em que o pagamento em dinheiro é mínimo. Isso é fundamental e critério para autorizarmos ou não o acúmulo de função do motorista”, disse.

A Urbana-PE se posicionou sobre o assunto por nota. Destacou que a medida está sendo implantada em caráter de teste e em acordo com o sindicato da categoria e os profissionais envolvidos. E que, apesar dos investimentos feitos para ampliar a rede de vendas dos créditos eletrônicos do VEM – hoje com mais de 2.500 pontos credenciados –, site, aplicativos, estações de BRT e terminais, viu na medida uma forma de garantir uma solução momentânea no processo de transição do pagamento em dinheiro para a bilhetagem antecipada.

 

CENÁRIO NACIONAL

Não só a retirada de cobradores, mas também o acúmulo de função pelos motoristas é uma tendência no País e no mundo. Levantamento feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em 101 cidades brasileiras revelou que em 28 delas os motoristas atuam também como cobradores. “O processo é válido se bem feito e respeitando alguns critérios. O sistema de transporte por ônibus de Goiânia (GO), por exemplo, funciona assim há 20 anos. Mas é preciso escolher linhas em que o pagamento em dinheiro seja exceção. Também é fundamental que os motoristas obedeçam o CTB e não manuseiem dinheiro com o veículo em movimento”, ponderou Marcos Bicalho, diretor da NTU. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) desconhecia a novidade e, segundo o promotor de Transportes, Humberto Graça, irá acompanhar o processo para se posicionar sobre possíveis riscos à operação.

 

Embora revoltados, os motoristas que passaram a acumular a função de cobrador estão com medo. Temem perder o emprego caso reclamem. Um deles conversou com o JC no anonimato e foi só críticas.

JC – O que o senhor tem achado dessa nova função? De ter que dirigir e receber dinheiro dos passageiros?

MOTORISTA – Péssimo. Como se não bastassem a tensão e o estresse que fazem parte do nosso trabalho diário, agora temos que nos preocupar com dinheiro. Em vender os cartões VEM ou simplesmente receber a passagem daqueles passageiros que quiserem pagar em dinheiro. É difícil e, como não estamos acostumados, tem sido bem estressante. É difícil calcular o troco certo e cuidar, ao mesmo tempo, do embarque e desembarque das pessoas, além do trânsito em geral.

JC – O que é o mais difícil de fazer?

MOTORISTA – Ter que me preocupar com dinheiro. Ficar atento o tempo todo, sabendo que aquela gaveta é minha responsabilidade. Por sorte, o movimento está muito pequeno nas linhas em que os motoristas estão fazendo o papel de cobrador. Como a mudança é recente, começou na semana passada, ainda há poucos passageiros pagando em dinheiro porque as pessoas acham que essas linhas só aceitam o cartão VEM. Além disso, as empresas de ônibus e o governo do Estado não fizeram qualquer divulgação. Mas quando as pessoas souberem que as linhas voltaram a receber dinheiro, o movimento vai aumentar e exigirá ainda mais atenção dos motoristas.

JC – Como o senhor foi informado da novidade?

MOTORISTA – As empresas estão chamando os motoristas dessas linhas que rodam sem cobrador desde o fim de 2015 e dizendo que agora é assim. Assinamos um documento no qual concordamos em receber dinheiro e passar troco como os cobradores. Para isso, recebemos R$ 100 por mês. Está tudo no papel que temos que assinar.

JC – E quem se negar a assinar esse documento?

MOTORISTA – Com certeza será demitido. Oficialmente, dizem que os que se recusarem serão transferidos de linha, mas sabemos que a demissão é certa e apenas uma questão de tempo.

JC – O senhor sabia que o acúmulo de função pelos motoristas foi aprovado na convenção coletiva da categoria, com o aval do Sindicato dos Rodoviários?

MOTORISTA – É difícil de acreditar que o nosso sindicato fez isso e que ainda acertou um valor tão baixo de abono pela nova função. Só quem não vive o dia a dia de um motorista de ônibus pode concordar com esse tipo de função. Tiraram os cobradores e agora vão colocar os motoristas para passar troco. Quem vai perder é o passageiro porque as viagens vão atrasar, com certeza.